Ecuador Internacional

Equador multa jornal por ignorar ato público

O Globo - MARINA GONÇALVES 27/05/2015

Foto: O Globo

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RIO — Há pouco mais de uma semana, o "La Hora", terceiro maior jornal do Equador, recebeu mais uma multa da Superintendência de Informação e Comunicação (Supercom), criada há dois anos para executar a Lei da Comunicação sancionada pelo presidente Rafael Correa. É a 12ª aplicada ao periódico, o recordista de punições, mas seu caráter insólito chamou a atenção de meios internacionais: a versão local do diário foi multada por não realizar a cobertura da prestação de contas da prefeitura de Loja, um ato público.

A Supercom considerou que o evento em si era uma notícia de interesse público — o artigo 18 da legislação estabelece que a "omissão deliberada e recorrente da difusão de temas de interesse público constitui ato de censura prévia". Nas redes sociais, defensores do prefeito de Loja, José Bolívar Castillo, difundiram as hashtags "Mereço ser informado" e "Não ao apoio à censura prévia". Editor-geral do "La Hora", Luis Vivanco explica ao GLOBO por que desta vez o jornal decidiu não acatar o castigo e recorreu da decisão.

— Entendemos que há uma ambiguidade no conceito do que é ou não de interesse público ao leitor e declaramos nosso direito de resistência.

Apenas um dos três jornais da cidade cobriu o ato, mas só o "La Hora", um dos mais críticos ao governo, foi sancionado. No total, foram 12 processos, por faltas como divergências entre título e conteúdo da matéria, tamanho indevido de retificação e até o teor de um anúncio. Os dois maiores do país, "El Comercio" e "El Universo", também foram alvo de sanções nos dois anos de vigência da lei. Um dos casos mais simbólicos foi o do cartunista Xavier Bonilla, conhecido como Bonil, do "El Universo". O órgão exigiu a retificação da frase que acompanhava um de seus desenhos — o que foi feito — e cobrou uma multa de US$ 95 mil.

No "El Comercio" foram quatro processos no total, incluindo três ao "Últimas Noticias" e "El Ambateño", publicações locais do grupo:

— Há um viés político na aplicação da lei. As sanções e o escárnio público do governo inibem o exercício jornalístico. É uma mensagem ruim para a sociedade e sobretudo para os jornalistas jovens — defende o diretor adjunto Marco Arauz.

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Para Maurício Alarcón, da ONG Fundamedios, a situação do Equador é comparável à da Venezuela no que diz respeito à liberdade de imprensa. Assim como no país de Nicolás Maduro, alguns jornais tiveram de fechar as portas. Muitos, principalmente os regionais, alegaram as altas multas e sanções como a principal causa. O mais emblemático foi o tradicional "Hoy", que deixou de circular em junho do ano passado, mantendo a versão on-line.

À época, Correa disse tratar-se de uma tendência mundial do jornalismo, e acusou seu dono, Jaime Mantilla (ex-presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa), de "tentar vitimizar-se".

— Desde o dia em que tomou posse, Rafael Correa declarou a imprensa como sua principal inimiga. Ele repete constantemente a mesma frase: "Nossos inimigos não são os opositores, mas os meios de comunicação" — diz Alarcón.

Claudio Paolillo, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP e diretor do semanário uruguaio "Búsqueda", é ainda mais pessimista: para ele, a situação no Equador é a pior da região, já que a censura é legitimada pela legislação.

— Na Venezuela, há jornalistas exilados, a TV está completamente tomada pelo regime de Maduro e restam apenas algumas rádios que fazem jornalismo independente. A imprensa escrita crítica é asfixiada economicamente. Mas no Equador é ainda pior: trata-se da lei mais totalitária contra a liberdade de expressão existente hoje na América Latina.

Desde 2007, a Fundamedios monitora ameaças e agressões à liberdade de imprensa. No primeiro informe, em 2008, reportava pouco mais de 20 sanções aos meios de comunicação; no ano passado, foram mais de 300. Os relatórios indicam ainda que 95% das multas são aplicadas a jornais críticos ao governo, reprimidos com mais força e agressividade.

Em entrevista ao "El País", há um ano, Correa defendeu a lei, afirmando que "o poder midiático, como todo poder, necessita de regulação social".

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